Sobre essa ideia do impacto em cadeia

Pode ser algo perigoso pensar-se e dizer-se que o que eu faço (sendo pensar também um ato de fazer) hoje afeta o que se passa noutros lugares onde não estou.
E ainda assim, mais e mais constato que tal acontecimento pode muito bem ser verdade.
Ora: se eu não tomo banhos de água quente, não utilizo o gás e não respeito as pessoas que estão do outro lado do mundo, na medida em que ao usar o mesmo, estou de certa forma a dizer que os recursos delas são valiosos.
Embora o banho de água fria possa ser bom para a minha própria saúde, às vezes - principalmente quando estou em paz com todas as pessoas à minha volta e a água com que me lavo é mesmo natural, o não uso do gás ou o isolamento completo pode muito bem levar a que:

  • outras pessoas queiram seguir o meu caminho (só por saberem ser possível)
  • outras pessoas não beneficiarem com o máximo potencial da minha presença ao ir às compras
  • outras pessoas não receberem dinheiro por eu não ter ido às compras e como tal não terem que comer.

Por outro lado, pode ser relevante ter consciência de como é essa riqueza distribuída desse outro lado do mundo…e essa consciência deverá surgir através de redes de confiança. E tais redes só poderão ser construídas no momento em que as pessoas sentirem que as suas necessidades estão saciadas, e que quer os seus interesses - sejam eles o de viver todas as emoções em pleno, sejam o de viver apenas algumas, seja o de transformar umas em outras conscientemente.

E cada um destes pontos tem riscos associados… o isolamento, se pode levar a um auto-conhecimento profundo, pode também bloquear o potencial de criação coletiva.
ao não ir às compras, esse máximo potencial de que falei é o de a outra pessoa se sentir reconhecida, vista, amada.
sobre a questão do dinheiro e a relação com a comida, não é necessariamente causal…ou seja…para comer basta por vezes pedir, dizendo que se tem fome. Por outro lado, é também importante por vezes agir em jeito de troca…o que pode a outra pessoa precisar em troca pela comida ? talvez queira oportunidade de ir a outro sitio ? talvez um pouco de descanso ? … muitas possibilidades existem. A questão e cada vez mais me apercebo disso é a forma como as alcançamos. O dinheiro, esse, continua a ser relevante para aqueles momentos em que estamos cansados e sem energia suficiente para nos ligarmos em pleno às outras pessoas…Quais são os seus interesses e necessidades do momento ?

E pela positiva…
O que observo, mais e mais, é que quando satisfazemos o interesse de alguém…além de o fazermos, satisfazemos também os interesses de todas as pessoas que por algum motivo se interessam por ela. Então, fazer algo por alguém torna-se numa riqueza que vai além de qualquer imaginação.

Concretizemos:

  • Imaginemos um casal com um filho em que são as duas pessoas que ficam cuidando desse filho. Uma delas tem o plano de sair de casa, com planos bem-definidos, e outra está num registo de viver o momento à medida que ele vai surgindo. A primeira, tinha horários a cumprir, a segunda não. E o filho precisa de certos cuidados. A realidade que se manifesta no plano do semi-inconsciente ajuda a resolver a situação só por si: Com o ritmo lento do que quer ficar mais no momento, e com o respeito por essa vontade, a outra pessoa que precisava sair de casa acaba por perceber que pode levar o filho consigo. E assim, a outra, pode ficar no seu momento, p.ex. criando algo de belo que quiçá mais tarde um dia possa servir também ao seu filho. Pelo caminho, e ao partilhar a beleza desse algo, todas as pessoas que tomam contacto com isso dali podem receber inspiração e aprendizagem.

  • Agora coloque-se o cenário de um casal sem filhos…cada um quer “possuir o outro”, na medida em que quer a seu lado alguém que satisfaça todas as suas vontades -> num momento a sua vontade de estar junto e acarinhada e protegida, e noutro a vontade de estar autónomo. Note-se que a ideia de utilizar o masculino e o feminino é ideia tal de respeitar que nós todos temos tais lados dentro de nós. Portanto… Imaginemos tal casal, ele quer criar o seu negócio para suprir a sua necessidade de autonomia, ela quer partilhar toda a sua energia com os outros deles recebendo também…ambos querem no fundo, um espaço seguro e equilibrado de autonomia e relação.
    Qualquer ação que façam contudo em prol de uma maior autonomia, precisará ter em conta essa relação ao longo do tempo. Portanto, ajuda comunicar com a outra pessoa dizendo-lhe o que sente a cada instante, caso essa pessoa seja de gostar de falar de sentimentos…pois em determinados momentos há pessoas que gostam e há outras que não.
    Uma “falta de compromisso” pode levar a que a outra pessoa faça algo que aparentemente não vai ao encontro do nosso interesse. Uma “exigência” de cumprir horários, pode levar a que uma pessoa mais “aversa” ao controlo num dado momento se desinteresse e acabe por não cumprir compromissos.

Porventura o que é então relevante é procurar criar linguagens de mútuo entendimento, que duram tempo suficiente para que ambas as pessoas possam sair saciadas dessa relação.

Como alcançar isso e ao mesmo tempo assegurar que todos os nossos interesses são saciados de forma a potenciar um bem-comum o mais generalizado possível ?