Em torno do conceito de verdade

Conta a história que noutro dia, perante uma ideia atirada para o ar de que não existe verdade, me foi dito : Existe sim uma verdade.
E respondo eu que não existe verdade absoluta.
E me dizem que existe sim.
Então peço eu que me digam uma frase que seja verdade e a desmonto já aqui.
Eu tenho X anos me disseram.
E a resposta que se seguiu foi que tais anos não tinha essa pessoa, pois se a mesma se identifica com A e B, dizendo “eu sou A” ou “eu sou B” então seria pelo menos tão antiga quanto A e B.

Ou seja, se eu digo “sou isto”, e depois ligo a minha idade apenas ao meu corpo, não estou falando a verdade absoluta.

Pois Ser é um composto, não só do corpo físico, mas também das culturas variadas que transportamos connosco. Muitas delas não sendo nossas.

Pois se eu oiço ao longe som de galo posso afirmar: Ali está um galo, e provavelmente ninguém irá discordar.
No entanto, eis que afirmo, tal não é verdade absoluta, certamente o sendo relativa.

Será pois mais absoluto dizer, que galo só é galo porque há uma língua comum.
Poderia dizer a uma pessoa que não entenda o português que ali está um galo, e nada diriam.
E ainda assim, mesmo aceitando-se que “isso é por causa da língua”, galo é mais que apenas galo.
Galo é galo pois canta, pois tem crista, pois tem penas, é normalmente, arrisco ousar dizer, um pouco mais alto que galinha, e pode fecundar a galinha.
É galo pois é diferenciado dos outros, pela sua forma, pelo seu jeito de andar, pelo poder voar.

Será contudo apenas galo até alguém discordar e dizer que é galinha.
Pois galo não é assim só galo, é também ave.
E ave é ser vivo.
E ser vivo é também conjunto de seres inertes, com um mais qualquer algo que há quem chame de alma…A esse movimento de fluidos corporais, a essa capacidade de buscar alimento para se reabastecer, a que alguém chamou tal dia de alma.
Pois então galo é ser vivo e será também aquilo que come.
E aquilo que come pode muito bem ser resultado de galinha.
Logo galo será também galinha.

E então a verdade deixa de ser absoluta,
Para passar a ser relativa.

E ainda assim diz-nos a física e a matemática que há leis universais.
Pois mais se pode dizer que tais leis são criação humana.
Onde houver linguagem, há transfiguração da realidade.
Há interpretação.
E onde há interpretação, há espaço para discordar.
Há espaço para criar.

E portanto, podemos pois construir verdade a cada instante.
E por ora, possamos não afirmar algo fingindo não saber o que a outra pessoa entende desse algo.
Isto é, possamos não mentir se quisermos colaborar uns e outros e connosco mesmos.
Pois qualquer ato de colaboração pode muito bem beneficiar de entendimento.
E entendimento é pessoa A e pessoa B concordarem que algo é C.
Porventura será possível colaborarem através da divergência, sendo útil assim que possam concordar que o que querem é divergir e quiçá nessa sua divergência, possa sua existência florescer.