Para quê a sociocracia ?

Ainda nas traduções de We The People (segunda edição)…em concreto um pedaço de texto escrito por Lester Frank Ward (1841-1913), no livro “The Psychic Factors of Civilization”, e com uma afirmação que pode ser resumida na frase…

“É absurdo afirmar que a injustiça através do músculo devia ser regulada, enquanto que aquela causada pela mente devia ser ilimitada.”

Ocorre-me refletir no papel importante da sociocracia, e talvez mais que a sociocracia propriamente dita, de ferramentas de empoderamento humano (ao nível coletivo e consciente do ecossistema que os apoia).

Tenho observado em vários contextos e por vezes vendo-me como ator principal, que normalmente quem tem mais “poder” muitas vezes também tem mais “permissão” para agredir os outros verbalmente. Felizmente a agressão física já não é tolerada tão facilmente pelo menos cá pela Europa. Ainda há no entanto muito caminho a fazer no que toca à agressão verbal repetitiva…

Uma dos fatores principais que me levam a gostar da sociocracia e dos quais por vezes, confesso, me “esqueço”, isto é - não a pratico - é precisamente a possibilidade de reconhecer que todos somos seres humanos e como tal todos temos o direito a sermos escutados e a ser tratados sem agressões.

Por outro lado, há uma corrente paralela que visa o desenvolvimento pessoal de tal forma que a pessoa se torna capaz de lidar com as agressões dos outros sem se afetar pelas mesmas…

Considerando que a emoção da raiva faz parte das nossas emoções naturais (sobre emoção, há muito para explorar…podem começar por https://pt.wikipedia.org/wiki/Emoção …), e que é importante expressá-la para o bem da nossa saúde ( um estudo sobre o assunto que defende a importância de expressar emoções negativas pode ser encontrado em https://www.vix.com/pt/saude/549175/expressar-sentimentos-mesmo-raiva-e-odio-pode-te-fazer-mais-feliz-diz-estudo ), e que a não ser que tenhamos já interiorizado formas de comunicação eficaz, autêntica, não violenta, há uma certa probabilidade de que diguemos coisas que podem ou magoar os outros e mesmo a entrar em espirais de agressão mútua.

O que os métodos sociocráticos fazem para lidar com esta questão é, digo eu, assegurar que qualquer tensão/situação de desconforto no que refere ao impacto no grupo é rapidamente identificada e que todas as pessoas afetadas por essa situação são convocadas e tomam decisão por consentimento mútuo sobre a estratégia ou ações para endereçar a situação.

Mesmo assim e em grupos que não têm ainda uma maturidade tal em que todas as pessoas estão plenamente conscientes da sua capacidade, é possível que acordos não se cumpram.

Mais uma vez, a sociocracia permite que qualquer regra seja revista, podendo ser convocadas reuniões extraordinárias para alterar uma regra para toda uma organização ou alterando na prática entre as pessoas que a sentiram diretamente e mais tarde passá-la para o “papel”.

De certa forma e para mim, a prática sociocrática visa contribuir para a maior maturidade humana…
Ainda assim e da minha experiência, a sua prática recorrente implica um compromisso sério de pelo menos 2 ou 3 pessoas do grupo que se apoiem mutuamente na facilitação dos processos de consentimento, de apresentação de propostas, de atribuição de responsabilidades, de avaliação de resultados e métodos,

Também é viável existir um super-facilitador/líder que sabe sempre a melhor forma de lidar com as situações, e que visto de fora do seu grupo, é também reconhecido como tal. Cada vez mais este é um líder que permite que os outros expressem o seu potencial maior também.

No fundo…a prática da sociocracia é uma forma para alavancar a liderança individual e colaborativa, ao convidar a cada pessoa a pensar em como “cria organização”, a conhecer-se melhor ao ponto de perceber quando se pode ou não comprometer com algo…

A Sociocracia 3.0 é a única abordagem à sociocracia que torna este processo transparente, aberto e gratuito para quem quer aprender através do padrão “Participação Astuta” (ver http://sociocracy30.org/guide/enablers-of-co-creation/#Pattern_31_Artful_Participation).

Ainda não conheço contudo uma abordagem que integre este desenvolvimento pessoal na sua totalidade ao ponto de inserir nos seus métodos uma prática consistente.

Portanto, a sociocracia pode ser aplicada para trazer consciência à necessidade de cada pessoa promover o seu auto-desenvolvimento ao ponto de cuidar sempre de si mesmo e do grupo. E reconhece que não tem “a solução”, e sou levado a entender que por ora a solução, segundo as várias abordagens à sociocracia que tenho visto, é fazermos o caminho em conjunto e aprendermos uns com os outros ao longo do caminho. Precisamos apenas de nos comprometer a viver em conjunto… E esse é talvez o compromisso mais dificil de fazer e que ao longo dos tempos tem levado à criação de fronteiras entre países e que talvez mesmo até dê origem à ideia de propriedade.
E isso provavelmente leva a tentativas de implementação de visões comunitaristas e que cada vez mais observo à minha volta.

Precisamos pois de dar o próximo passo: Além de não nos agredirmos fisicamente, aprendermos também sobre o que pode ser uma agressão verbal e suspendê-la, ao mesmo tempo que encontramos e procuramos formas de exprimir o que queremos dizer de forma a nos fazermos ouvir.

Para quẽ a sociocracia?

  • Para nos conhecermos melhor enquanto humanidade
  • Para vivermos em conjunto de forma mais equilibrada
  • Para criar espaço para aprendermos a conhecer e desenvolver o nosso potencial individual.

Por certo há ao nível dos estudos políticos muito trabalho feito que pode complementar a sociocracia. Sente-te livre, colega human@ para partilhar a tua sabedoria, seja ela provinda do teu intelecto, seja da tua emoção e outro mais que queiras acrescentar.

P.S. ainda estamos a precisar de apoio na tradução e essencialmente na revisão do texto do We The People 2. Mais info em https://dialogue.diogocordeiro.pt/t/procuram-se-tradutores-e-revisores-empreendedores-portugueses-e-brasileiros-para-traducao-livro-we-the-people-2/237/2

Ainda neste texto de Frank Ward, encontrei no final algo como

Quanto mais luz puder ser colocada em todos os lados melhor, mas para que possa realmente elucidar os problemas sociais precisa de ser a luz seca da ciẽncia, tão pouco influenciada pelas emoções como se fossem os habitantes das luas de Júpiter que estivessem debaixo do campo do telescópio intelectual.

E para completar acrescento que ele também refere, anteriormente no seu texto, algo como o que traduzi em baixo:

acreditando que nem o meliorismo, nem a sociocracia precisam do apoio de qualquer emoção ou de adereços altruístas. Pelo menos as provas serão mais fortes se nenhuma destas ajudas forem chamadas à conversa e, se elas puderem provar ter uma influência legítima, isso será como mais um elemento adicionado ao conjunto de provas.

Acredito, pela experiência que é realmente relevante termos noção das nossas emoções e colocá-las no momento certo, na hora certa…
Sobre este tema contudo há um risco de ter esta prática nas organizações, que vi num texto partilhado há dias, e que está em https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/24/economia/1508848045_385114.html?id_externo_rsoc=FB_CC , que é o de não haver consentimento para entrar no espaço privado das pessoas.

De onde vejo, as várias abordagens à sociocracia visam incluir as emoções sim, e ao mesmo tempo dar voz ás pessoas para estabelecer os seus limites de partilha. Em S3.0 pode-se ver isso claramente no padrão “Navegar pela Tensão”: http://sociocracy30.org/guide/co-creation-and-evolution/#Pattern_12_Navigate_Via_Tension.

Até é aliás desejável que as emoções e pensamentos partilhados sejam apenas os que dizem respeito ao grupo. Na esfera do apoio individual, podem as pessoas de uma organização criar um momento próprio e voluntário para isso.

Acabei de ver este vídeo do James Priest, onde acredito que ele fala um pouco do Para quê sociocracia.

Vejam e depois partilhem por aqui…Para quẽ sociocracia 3.0 ?