Sobre os métodos de tomada de decisão do Conclave do Vaticano

Este texto surge na sequência de uma partilha de facebook de um texto de humor negro que afirma que antigamente os cardeais decidiam o voto à pancada.
Não sendo completamente impossível, ainda que extremamente dificil de acreditar :-), a verdade é que me inspirou a procurar mais informações sobre o conclave.

Aqui partilho em particular sobre como tomam e já tomaram a decisão sobre quem será o próximo Papa.

Segundo How the conclave works: It's guided by a rule book and a prayer book | USCCB, o Conclave é orientado por dois textos de referência: a constituição apostólica (Universi Domini Gregis: Universi Dominici Gregis (22 de fevereiro de 1996) | João Paulo II) e um livro de orações: Ordo Rituum Conclavis.

Em baixo coloco parte do processo de eleição, bastante detalhado, tal como apresentado em Universi Domini Gregis.
O sucesso da votação, tal como explicitado no ponto 70, depende de haver um total minimo de dois terços dos votos no mesmo cardeal.

Antigamente contudo, de acordo com o ponto 62, e conforme a informação em Universi Dominici Gregis – Wikipédia, a enciclopédia livre

Anteriormente, além do voto secreto, dois outros métodos eram permitidos para a realização da eleição. Uma comissão de nove a quinze cardeais escolhidos por unanimidade poderia ter sido delegada, para fazer a escolha para todos (eleição por meio de compromisso , por compromisso ). Alternativamente, as cédulas formais podem ser descartadas: na eleição por aclamação (per acclamationem seu inspirationem ), os eleitores simultaneamente gritam o nome de seu candidato preferido. Ambos os métodos foram agora abolidos: a justificativa dada era que o compromisso ou a aclamação não exigiriam que cada cardeal expressasse sua preferência.

CAPÍTULO V
A REALIZAÇÃO DA ELEIÇÃO

  1. Abolidos os modos de eleição designados per acclamationem seu inspirationem e per compromissum, doravante a forma de eleição do Romano Pontífice será unicamente per scrutinium.

Estabeleço, portanto, que, para a válida eleição do Romano Pontífice, se requerem os dois terços dos sufrágios, calculados com base na totalidade dos eleitores presentes.

Caso o número dos Cardeais presentes não possa ser dividido em três partes iguais, requer-se, para a validade da eleição do Sumo Pontífice, um sufrágio a mais.

  1. À eleição, proceder-se-á imediatamente depois de terem sido cumpridos os actos indicados no nº 54 da presente Constituição.

Se porventura isso se verificar já na tarde do primeiro dia, neste haverá um só escrutínio; nos dias sucessivos, se a eleição não se fizer no primeiro escrutínio, deverá haver duas votações, tanto da parte da manhã como da tarde, dando sempre início às operações de voto na hora já anteriormente estabelecida nas Congregações preparatórias ou durante o período da eleição, mas segundo as modalidades estabelecidas nos nnº 64 e seguintes da presente Constituição.

  1. O escrutínio desenrola-se em três fases, a primeira das quais - designada pré-escrutínio - compreende: 1) a preparação e a distribuição das fichas pelos Cerimoniários, que entregarão ao menos duas ou três a cada um dos Cardeais eleitores; 2) a extracção à sorte entre todos os Cardeais eleitores de três Escrutinadores, três encarregados de ir recolher os votos dos doentes - aqui designados por razões de brevidade Infirmarii -, e três Revisores; esse sorteio é feito em público pelo último Cardeal Diácono, o qual extrairá sucessivamente os nove nomes daqueles que deverão desempenhar tais funções; 3) se, na extracção dos Escrutinadores, Infirmarii e Revisores, saírem nomes de Cardeais eleitores que, por doença ou outro motivo, se achem impedidos de desempenhar tais funções, sejam extraídos para o seu lugar os nomes de outros não impedidos. Os primeiros três extraídos farão o papel de Escrutinadores, os três seguintes de Infirmarii, e os outros três de Revisores.

  2. Para esta fase do escrutínio, importa ter presente as seguintes disposições: 1) a ficha de voto deve ter a forma rectangular, e ter escrito na parte superior, se possível em caracteres impressos, as palavras: Eligo in Summum Pontificem, ao passo que, na metade inferior, se deverá deixar em branco o espaço para escrever o nome do eleito; assim, a ficha é feita de molde a que possa ser dobrada em duas partes; 2) o preenchimento das fichas deve ser feito secretamente por cada um dos Cardeais eleitores, o qual escreverá claramente, mas com grafia o mais possível não identificável, o nome de quem elege, evitando escrever outros nomes, porque se o fizesse o voto seria nulo, e dobrando depois a ficha ao meio por duas vezes consecutivas; 3) na Capela Sistina, durante as votações, deverão permanecer só os Cardeais eleitores, e, por isso, imediatamente após a distribuição das fichas e antes de os eleitores começarem a escrever, o Secretário do Colégio dos Cardeais, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e os Cerimoniários devem sair do local; depois da sua saída, o último Cardeal Diácono feche a porta, voltando a abri-la e a fechá- la todas as vezes que isso for necessário, como por exemplo quando os Infirmarii saem para recolher os votos dos doentes e reentram na Capela.

  3. A segunda fase, chamada escrutínio no sentido verdadeiro e próprio do termo, compreende: 1) a deposição das fichas de voto na respectiva urna; 2) a mistura e a contagem das mesmas; 3) o apuramento dos votos. Cada Cardeal eleitor, pela ordem de precedência, depois de ter escrito e dobrado a ficha, mantendo-a levantada de modo que seja visível, leva-a ao altar, junto do qual estão os Escrutinadores e em cima do qual é colocado um recipiente coberto com um prato para recolher as fichas. Chegado aí, o Cardeal eleitor pronuncia, em voz alta, a seguinte forma de juramento:

Invoco como testemunha Cristo Senhor, o qual me há-de julgar, que o meu voto é dado àquele que, segundo Deus, julgo deve ser eleito.

Em seguida, depõe a ficha de voto no prato e com este introdu-la no recipiente. Tendo realizado isto, faz uma inclinação ao altar, e volta para o seu lugar.

Se algum dos Cardeais eleitores presentes na Capela não puder dirigir-se ao altar, por motivo de doença, o último dos Escrutinadores irá junto dele, e ele, depois de proferir o juramento referido, entrega a ficha de voto dobrada ao Escrutinador o qual a leva, bem visível, ao altar e, sem pronunciar o juramento, depõe-na sobre o prato e com este introdu-la no recipiente.

  1. Se houver Cardeais eleitores doentes nos seus aposentos, referidos nos nnº 41 e seguintes desta Constituição, os três Infirmarii dirigem-se a esses aposentos com uma caixa que tenha na parte superior um orifício, através do qual possa ser introduzida uma ficha dobrada. Os Escrutinadores, antes de entregar essa caixa aos Infirmarii, abri-la-ão publicamente, de modo que os outros eleitores possam constatar que está vazia, depois fechem-na e coloquem a chave sobre o altar. Em seguida, os Infirmarii, com a caixa fechada e um conveniente número de fichas num pequeno prato, vão, devidamente acompanhados, à Domus Sanctae Marthae, junto de cada doente, o qual, recebida a ficha, vota secretamente, dobra-a e, emitido antes o referido juramento, introdu-la na caixa através do orifício. Se porventura algum doente não puder escrever, um dos três Infirmarii ou outro Cardeal eleitor, escolhido pelo doente, depois de ter prestado juramento nas mãos dos próprios Infirmarii de observar o segredo, realiza as mencionadas operações. Depois disto, os Infirmarii levam outra vez para a Capela a caixa, que será aberta pelos Escrutinadores depois de terem depositado o seu voto os Cardeais presentes, contando as fichas que lá se encontram, e, uma vez comprovado que o seu número corresponde ao dos doentes, ponham-nas uma a uma sobre o prato e com este introduzam-nas, todas juntas, no recipiente. Para não demorar demasiado as operações da votação, os Infirmarii poderão preencher e depor as próprias fichas no recipiente imediatamente a seguir ao primeiro dos Cardeais, e ir, depois, recolher o voto dos doentes, da maneira acima indicada, enquanto os demais eleitores depõem a sua ficha de voto.

  2. Depois de todos os Cardeais terem deposto a própria ficha de voto na urna, o primeiro Escrutinador agita-a diversas vezes para misturar as fichas e, imediatamente a seguir, o último Escrutinador procede à contagem das mesmas, tirando da urna, de forma visível, uma de cada vez e colocando-a num outro recipiente vazio, já preparado para tal fim. Se porventura o número das fichas não corresponder ao número dos eleitores, é preciso queimá-las todas e proceder imediatamente a uma segunda votação; se, pelo contrário, corresponder ao número dos eleitores, segue-se o apuramento dos votos, conforme se indica a seguir.

  3. Os Escrutinadores sentam-se a uma mesa, colocada diante do altar: o primeiro deles toma uma ficha, abre-a, observa o nome do eleito e passa-a ao segundo Escrutinador que, certificando-se por sua vez do nome do eleito, passa-a ao terceiro, o qual a lê, em voz alta e inteligível, de modo que todos os eleitores presentes possam anotar o voto, numa folha apropriada para isso. O próprio Escrutinador, que faz de pregoeiro, anota o nome lido na ficha. Se porventura, no apuramento dos votos, os Escrutinadores encontrarem duas fichas dobradas de maneira tal que pareçam preenchidas por um único eleitor, e se em ambas figura o mesmo nome, elas contam por um único voto; se, pelo contrário, nelas figuram dois nomes diferentes, nenhum dos dois votos será válido; em nenhum dos casos, porém, será anulada a votação.

Terminado o apuramento das fichas, os Escrutinadores procedem à soma dos votos obtidos pelos diversos nomes, e anotam-nos numa folha separada. O último dos Escrutinadores, à medida que vai lendo as fichas de voto, fura-as com uma agulha, no ponto onde se encontra a palavra Eligo, e insere-as num fio, a fim de que possam ser mais seguramente conservadas. No fim da leitura dos nomes, as pontas do fio são atadas com um nó, e as fichas assim unidas são colocadas num recipiente, ou a um lado da mesa.

  1. Segue-se depois a terceira e última fase, chamada também pós-escrutínio, que compreende: 1) a contagem dos votos; 2) o seu controle; 3) a queima das fichas.

Os Escrutinadores fazem a soma de todos os votos, que cada um obteve, e se ninguém tiver conseguido dois terços dos votos nessa votação, o Papa não foi eleito; se, pelo contrário, resultar que alguém obteve os dois terços, verificou-se a eleição do Romano Pontífice canonicamente válida.

Em ambos os casos, isto é, quer se tenha dado a eleição quer não, os Revisores devem proceder ao controle tanto das fichas, como das anotações feitas pelos Escrutinadores, para se ter a certeza de que estes se desempenharam exacta e fielmente do seu encargo.

Imediatamente após a revisão, antes de os Cardeais eleitores abandonarem a Capela Sistina, todas as fichas serão queimadas pelos Escrutinadores, com a ajuda do Secretário do Colégio e dos Cerimoniários, entretanto chamados pelo último Cardeal Diácono. Se, porém, se devesse proceder imediatamente a uma segunda votação, as fichas da primeira seriam queimadas somente no final, juntamente com as da segunda votação.

  1. Ordeno a todos e a cada um dos Cardeais eleitores que, a fim de se guardar com maior segurança o segredo, entreguem os escritos de qualquer espécie que tenham consigo, relacionados com o resultado de cada escrutínio, ao Cardeal Camerlengo ou a um dos três Cardeais Assistentes, para serem queimados juntamente com as fichas dos votos.

Estabeleço, além disso, que, no final da eleição, o Cardeal Camerlengo da Santa Igreja Romana elabore um relatório, que há-de ser aprovado também pelos três Cardeais Assistentes, no qual declare o resultado das votações em cada uma das sessões. Este relatório será entregue ao Papa e ficará depois guardado no respectivo arquivo, encerrado num envelope sigilado que não poderá ser aberto por ninguém, a não ser que o Sumo Pontífice lho tenha explicitamente permitido.

  1. Confirmando as disposições dos meus Predecessores, S. Pio X [20], Pio XII [21], e Paulo VI [22], prescrevo que - à excepção da tarde da entrada em Conclave -, tanto na parte da manhã como na parte da tarde, imediatamente depois de uma votação na qual não se tenha obtido a eleição, os Cardeais eleitores procedam logo a uma segunda, em que exprimam de novo o seu voto. Neste segundo escrutínio, devem ser observadas todas as formalidades do primeiro, com a diferença de que os eleitores não são obrigados a prestar um novo juramento, nem a eleger novos Escrutinadores, Infirmarii e Revisores, valendo para esse fim, também no segundo escrutínio, aquilo que foi feito no primeiro, sem repetição alguma.

  2. Tudo isto que acaba de ser estabelecido acerca da realização das votações, deve ser diligentemente observado pelos Cardeais eleitores em todos os escrutínios, que devem realizar-se todos os dias, na parte da manhã e na parte da tarde, após a celebração das sagradas funções ou preces que se acham indicadas no mencionado Ordo rituum Conclavis.

  3. Caso os Cardeais eleitores tivessem dificuldade em pôr-se de acordo quanto à pessoa a eleger, então, realizados sem êxito durante três dias os escrutínios, segundo a forma descrita nos nnº 62 e seguintes, aqueles serão suspensos durante um dia, no máximo, para uma pausa de oração, de livre colóquio entre os votantes e de uma breve exortação espiritual, feita pelo primeiro dos Cardeais da ordem dos Diáconos. Em seguida, recomeçam as votações segundo a mesma forma, e se, após sete escrutínios, ainda não se verificar a eleição, faz-se outra pausa de oração, de colóquio e de exortação, feita pelo primeiro dos Cardeais da ordem dos Presbíteros. Procede-se, depois, a uma outra eventual série de sete escrutínios, seguida - se ainda não se tiver obtido o resultado esperado -, de uma nova pausa de oração, de colóquio e de exortação, feita pelo primeiro dos Cardeais da ordem dos Bispos. Em seguida, recomeçam as votações segundo a mesma forma, as quais, se não for conseguida a eleição, serão sete.

  4. Se as votações não tiverem êxito, mesmo depois de ter procedido como estipulado no número precedente, os Cardeais eleitores serão convidados pelo Camerlengo a darem a sua opinião sobre o modo de proceder, e proceder-se-á segundo aquilo que a maioria absoluta deles tiver estabelecido.

Todavia não se poderá renunciar à exigência de haver uma válida eleição, ou com a maioria absoluta dos sufrágios ou votando somente os dois nomes que, no escrutínio imediatamente anterior, obtiveram a maior parte dos votos, exigindo-se, também nesta segunda hipótese, somente a maioria absoluta.

  1. No caso de a eleição ser feita de uma forma diversa daquela prescrita na presente Constituição ou sem terem sido observadas as condições aqui estabelecidas, tal eleição é por isso mesmo nula e inválida, sem necessidade de qualquer declaração, e, portanto, não confere direito algum à pessoa eleita.

  2. Estabeleço que as disposições referentes a tudo aquilo que precede a eleição do Romano Pontífice e à realização da mesma, devem ser integralmente observadas, mesmo no caso que a vacância da Sé Apostólica houvesse de verificar-se por renúncia do Sumo Pontífice, nos termos do cân. 332-§ 2 do Código de Direito Canónico, e do cân. 44-§ 2 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

Antes deste capítulo há ainda outros dois referentes à eleição:

CAPÍTULO III: O INÍCIO DOS ACTOS DA ELEIÇÃO
Capítulo IV: OBSERVÂNCIA DO SEGREDO, SOBRE TUDO AQUILO QUE DIZ RESPEITO À ELEIÇÃO