Dia 31 - 2023/07/28

Antes de ler este texto, lê antes Sobre a categoria Diario pessoal - científico?

6h44 de dia 29

Levantei-me perto das 6.00, observando uma luz ténue a escorrer por baixo dos estores fechados do quarto.
Ontem, depois do peq almoço igual ao do dia anterior: fibras de trigo com leite de amêndoa e mirtilos, e da reunião comunitária, pelas 10.00 foi a musicoterapia com o Pablo, argentino que vive em Évora há mais de 20 anos, e que trabalha com a Casa há vários.
Ele levou alguns instrumentos como tambores, uma taça “tibetana”, dois xilofones, um “bongo” e um “róró”, uma adaptação do cavaquinho segundo entendi.
Começámos, a convite dele, escolhendo cada um um instrumento e simplesmente experimentando, reconhecendo o provável caos sonora que se avizinharia e deixando fluir.
Depois ele propôs que cada um recebesse um banho sonoro, sentando-se numa cadeira, sem ter instrumentos e fechando os olhos. Fui o primeiro a ser convidado a sentar na dita cadeira, provavelmente por ser a primeira vez nestas sessões.
Lembro-me de apreciar mais o som do xilofone, calmo e melodioso e quando havia muitos tambores isso me incomodar um pco.
Observei que a ultima residente a sentar-se (e gostando de a ver a participar na atividade, por normalmente a ver mais não participativa), nao aguentou mto tempo de olhos fechados e teve necessidade de pegar num tambor tb.
No final falámos um pouco com o Pablo ficando a saber mais sobre ele (alguns dos detalhes que apresentei acima vieram dessa breve conversa).
Já passava entretanto das 11.00 quando terminámos e fui então para a sessão de psicoterapia. Partilhei sobre o meu progresso na clarificação do que queria fazer, com algumas das sugestões do programa (em torno da responsabilidade social, da sustentabilidade, das tecnologias limpas, do empreendedorismo social) e foi-me feita a pergunta sobre o que é que eu não gosto no meu trabalho atual.
Trouxe comigo essa pergunta.
Efetivamente na ultima semana que lá estive até gostei. Tv por ter menos pressão para fazer trabalho faturavel e fora das horas que escolhi para trabalhar e por saber que ia ter uma pausa com mais tempo para mim. Por ter estado mais com o trabalho comercial, a realizar e planear formação a utilizadores e a saber resolver as questões técnicas que me foram aparecendo.
Tb gostei de poder tratar dos meus assuntos “terapeuticos” e não ser pressionado para compensar as horas (coisa que tinha acontecido no passado)

Creio que o que me deixa desconfortável neste trabalho é o facto de receber menos de 30 euros por hora, quando o trabalho faturável que tenho feito é faturado entre 80 euros a 190 dolares por hora. Inquieta-me esta disparidade.
Deixa-me desconfortável o risco de “ser dispensado” do trabalho…por falta de um determinado numero minimo de horas faturáveis que não é claro qual é.
Deixa-me desconfortável o quererem que a minha função principal seja técnica, quando eu mais e mais sinto necessidade de desenvolver a componente da relação humana.
Deixa-me desconfortável o passar a maior parte do meu tempo de trabalho sentado a olhar para um computador…consciente que isso não é o melhor nem para a minha visão nem para o meu corpo.
Deixa-me desconfortável o saber que a minha partilha de um link no grupo geral de chat da empresa sobre desenvolver recursos de responsabilidade social e ambiental na empresa foi visto como sendo de teor politico ou até religioso pelo dono da empresa e pior que isso ter sido convidado por ele no momento dessa partilha a não comunicar enquanto estivesse de férias. Percebi isso como uma espécie de censura e não gostei.
Deixa-me desconfortável haver uns que são “patrões” e outros trabalhadores. De de certa forma sentir que este tipo de contrato não é empoderador, mas sim algo escravizante de um certo tipo de cultura (de desigualdade de direitos humanos) com que menos e menos me revejo.
Deixa-me desconfortável não dominar a tecnologia com que estou a trabalhar e ter sido colocado em funções que exigiam mais conhecimento do que aquele que eu tinha e de eu n sentir espaço para aprender de forma tranquila.
Deixa-me desconfortável o trabalho técnico para optimizar as operações de uma qualquer projeto escolhido por outros para eu trabalhar, sem eu ter consciência do tipo de organização que estou a alimentar. (Ou secalhar por ter alguma consciência e já estar um pouco saturado deste tipo de cultura organizacional)
Deixa-me desconfortável contribuir para estruturas de desigualdade social.
Deixa-me desconfortável não participar nas decisões estratégicas da organização em que trabalho.
De haver uns que são “donos” e outros que não.
Deixa-me desconfortável só sermos dois trabalhadores a tempo inteiro na empresa…e um deles ser sócio e “chefe” e outro não (eu).
Deixa-me desconfortável a filosofia de que na empresa em que trabalho querem que as pessoas estejam desconfortáveis e repetem isso varias vezes…
A crença que parece existir de que a pessoa só evolui/aprende em situações de desconforto.
Deixa-me desconfortável a ideia que me foi passada pelo dono da empresa de que a empresa pode trabalhar para clientes dos quais nunca compraria o que eles oferecem…(aqui creio que posso esclarecer melhor o que ele queria dizer…pois ha varias interpretações possíveis)
Deixa-me desconfortável o estar atualmente dependente de pessoas que raramente vejo presencialmente e mesmo virtualmente, para pagar as despesas básicas da minha vida, como alimentação, casa, despesas com o meu filho.
Deixa-me desconfortável recusar os “pequenos clientes” só porque não têm dinheiro para pagar, embora possam estar a contribuir para o mundo melhor que gostava de ver.
Deixa-me desconfortável o software com que trabalho não ser mais “intuitivo”.
Deixa-me desconfortável o trabalho informático, assente em computadores feitos em condições humanas que não conheço.
O facto do meu trabalho depender de ferramentas que não sei fazer nem conheço quem as faz.
Deixa-me desconfortável a falta de transparencia sobre as condições de trabalho daqueles que criam estas ferramentas: os computadores, os chips, os cabos, os ecrãs. E daqueles que recolhem os materiais necessários à sua construção.
Deixa-me desconfortável o lixo eletrónico que existe e a falta de reaproveitamento.
Deixa-me desconfortável eu ter tido cadeiras universitárias de eletronica e de hoje achar que nao percebo praticamente nada disso.
Deixa-me desconfortável ter um contrato em que há um numero de horas minimo fixo de trabalho por semana e por dia.
Deixa-me desconfortável achar que não estou a dar o melhor de mim no tempo e qualidade necessários para construir o mundo que quero ver.

Tenho necessidade de fluidez. De aprender com fluidez.
De sentir que estou a contribuir para “um mundo melhor”, de forma consciente.
De focar-me mais em como posso potenciar a alegria consciente no meu dia-a-dia.
Tenho necessidade de sentir que estou a contribuir para essa (minha) visão de “mundo melhor” no meu trabalho.
Tenho necessidade de trabalhar com pessoas que estão a contribuir para essa visão de mundo.

Um mundo mais consciente, transparente no que toca aos recursos e direitos de todos os seres, e em que se busca a evolução também de forma consciente, de forma “não violenta”, de cada um deles.
Um mundo seguro para a Vida humana e não humana, se manifestar no seu máximo potencial.
Um mundo regenerativo.
Um mundo de Vida, que também é estrela para outros mundos que não lhe sejam antagónicos.

Bom…
Depois desta reflexão, retorno ao dia de ontem. Depois da psicoterapia iniciei a leitura de um dos artigos sobre o Open Dialogue, e ao ouvir o bater de bola de ping-pong, com a sensação de que alguem estava a bater bolas sozinho, lá fui impelido a desafiar esse residente (o mais recente) a bater umas bolas.
Ele já jogou profissionalmente em criança, o que me trouxe uma certa alegria…pelo prazer de jogar e aprender com ele também. Reparo como gosto de aprender desta maneira…jogando com quem joga igualmente com prazer e de forma diferente que eu. Aprendi que se estivermos mais perto da mesa o jogo acelera bastante ( e pode ser mais cansativo tb).

Entretanto já estavam iniciados os movimentos para o almoço e fomos almoçar…Comi sopa de tomate com um ovo cozido e acrescentei-lhe batatas fritas, o que segundo percebi será um prato tipico daqui.
Depois comi ainda uns rissois que creio que eram de carne, com azeitonas e salada de cenoura ralada e beterraba, se não me engano.
Pelas 14.00 saimos para a equitação. Fomos por Alter do chão pois o técnico sabia que, embora a ponte romana por onde se passava ha uns tempos tivesse sido parcialmente destruida pelas cheias que houve ha uns meses e ainda não tenha sido recuperada, já se criou uma passagem alternativa ao lado da ponte.
Lá chegados fomos convidados a escovar os cavalos…escovei o pelo de um e a crina (? - O cabelo) de outro.
O primeiro residente dizia que nunca tinha andado a cavalo e quis logo saltar para cima do cavalo ( em vez de usar uma pequena escada que eles têm disponibilizado) : fazendo-o com uma fluidez que me fez querer saltar tb. O entusiasmo e à vontade era tal que a treinadora lhe propôs o galope (coisa que eu n tive da primeira vez que fui, a semana passada, e segundo percebi nao é habito acontecer logo numa primeira andança).
Esteve tb presente a residente que menos tem participado nas atividades desde que ca estou e gostei de a ver a andar tb, ainda que nao respondesse à primeira às instruções da treinadora (que ia dizendo para se levantar um braço, outro, por atras das costas, etc.)
Foi a segunda vez de uma outra residente que manteve mais ou menos o mesmo registo e eu fui no fim dos 4 (inicialmente eramos para ter ido 7, mas 3 mudaram de ideias).
Tb quis experimentar saltar para cima do cavalo.
E consegui, ainda que tivesse ficado algo deitado em cima dele e tivesse sentido uma ligeira dor incomodativa que depressa passou quando ajustei a minha posição.
Já sentado observei os aplausos dos outros residentes por ter conseguido. Bom sentir esse apoio para algo que não saiu tao bem como gostaria.
Depois do passo e exercícios de braços, andei a trote, também convidado a levantar os braços (senti algum receio aí, ultrapassado pelo sucesso da experiencia e dicas constantes da treinadora) e depois a galope…por duas vezes, sendo que na primeira terei pressionado algo os pes/pernas, o que fez com que ele parasse.
Gostei das novidades.
Depois, com orientação da treinadora, levei o Dante (o cavalo que montámos todos) até à zona de lavagens e troquei-lhe as tiras de couro que estavam na sua cabeça (confesso que não percebi bem pq e tb n perguntei), e depois prendi-o a uma outra corda que estava presa à parede, para ele depois ser lavado.
O técnico que ia connosco perguntou se podiamos ir conhecer o espaço e fomos, uns a pé com a quem treinadora e outros de carro.
Na breve caminhada fiquei a saber mais sobre a treinadora…que é diretora técnica de um centro de analises clinicas em estremoz, que há 11 anos que se mudou de lisboa para estremoz para viver com o marido e que desde a pandemia que tem estado mais no trabalho com os cavalos.
Tomámos contacto com 4 “poltras” (? Creio ser este o nome para éguas pequenas), duas de 3 anos, uma de 4 e uma de 6 que ja foi vendida e irá para Inglaterra.
No caminho de regresso fiquei a saber que o espaço se chama “Monte Barrão”.

Chegados à casa, estava à porta uma das residentes a fumar, que estava prestes a sair de fim de semana e depois creio que me cruzei com a mãe dela à entrada.
Chegado à casa, cruzei-me com outro residente que tem estado menos sociavel e participativo esta semana (não sabendo eu bem o pq) e desafiei-o para jogar ping pong, sabendo que ele gosta, por eu gostar e por achar que podia ser bom para ele, ainda que nao tivesse muita expetativa pois ja me tinha dito que nao umas duas ou tres vezes esta semana - tenho-o observado a caminhar de um lado para o outro na casa, com o seu olhar particular, algo “vidrado”). Ele aceitou e jogámos um pouco, começando por bater bolas e depois fazendo dois jogos…um até aos 21 que ganhei e outro até aos 11 que ganhou ele. Ele nao quis continuar e parámos o jogo.
Depois fui para o computador e continuei o quest, vendo os detalhes de cada uma das “profissões” que me tinham sido sugeridas, e depois de algumas das sugestoes de “plano de ação”… tinha a hipotese de selecionar os varios paragrafos mas n era mto claro o pq e limitei-me a ler, a copiar as varias sugestoes por profissao para um documento e a careegar no botao.
Cheguei ao fim da missao da carreira, algo frustrado por ver que acabei com um plano de ação vazio e que nao podia editar…nestes varios passos fui capturando as imagens dos ecras em que fui identificando possiveis melhorias e coloquei no documento de feedback que tinha sido entretanto partilhaso comigo. Enviei ainda um email à criadora do projeto a indicar destes novos feedback.

Percebi que 12 sugestões de atividades profissionais (com varias propostas de ações em cada uma, muito em torno de ir aprender mais sobre o tema em alguma universidade ou curso online, falar com pessoas que ja trsbalhsm nessas funções e ligar-me aredes profissionais relacionadas e ir a eventos e conferencias sobre o tema em especifico tb) ainda é muito e que preciso reduzir o leque, ou pelo menos priorizar para analisar uma por uma e ver se avanço com um plano de ação.
Iniciei a missao seguinte que trata de pensar sobr eo que sera o meu dia ideal se n estou em erro…penso avançar nisso hoje tv.

Chegou a hora de jantar e eram aproveitamentos. Comi novamente legumes à brás e no fim uma maçã.
Depois de jantar estive no exterior à conversa com o novo residente, ficando a conhecê-lo um pouco melhor, que estudou cinema e já teve muitos trabalhos temporários, relacionados com montagem de palcos e trabalhos em bares e festivais e filmagens e edição de videos, e a perceber que o companheiro de quarto dele na ultima noite estava “a dormir de olhos abertos e com uma lanterna apontada para os mesmos”…cuja luz naturalmente incomodou o novo residente.
No exterior tivemos tb um momento agradável de musica, proporcionado pelo técnico de serviço e pude conhecer melhor o auxiliar noturno de serviço…que saiu da tropa, embora gostasse do espirito de disciplina e compromisso ali existente e muitas vezes fizesse o serviço dos outros, por o capitao a obrigar ficar a trabalhar no fim de semana em que era o seu aniversario e que ia receber a visita da sua então namorada, hoje mulher…que é uma pessoa comunicativa e bem disposta, que tb faz uns biscates de construção civil, em primeiro lugar para as filhas, que cuida dos pais e que já teve como vogal na junta de freguesia, partilhando algumas frustrações, como por exemplo as pessoas se focarem muito no passado e pouco no presente e futuro…como muitas pessoas votarem de determinada forma só porque alguém “acima” no partido assim o dizer para fazerem, sem saber explicar muitas vezes porquê…
Tb partilhou uma reflexão sobre a vida, que era importante as pessoas saberem “Perdoar, pedir perdão e pedir ajuda”.
E que gosta de ser sempre uma melhor pessoa, procurando resolver rapidamente as situações mais desagradáveis e desfrutar tanto tempo quanto possível das agradáveis.
Que não teve grandes estudos mas que gosta de ler e aprender.
No fim partilhei um pouco sobre a minha visão, como talvez um caminho para ter alguma força politica (diferente do que hoje se chama de politicos) fosse juntar as pessoas que querem fazer e nao têm medo de discordar e aos poucos, tv uma a uma, ir envolvendo as outras pessoas que vivem no registo do medo e ausencia de espirito critico, para quiçá transformae a sua forma de pensar e agir no mundo.
Partilhei ainda sobre a moeda livre e os mercados e ele até pareceu interessar-se.
Foi muita rica esta conversa.
Depois de ele sair fiquei entao mais um pouco a conversa com o novo residente e depois dele ter partilhado que estava a ponderar a possibilidade de mudar de quarto, eventualmente ate para um dos individuais por causa da situação do colega residente de quarto estar com a lanterna e ele pouco dormir (este outro residente parece ser dos mais afetados pela medicação)…surgiu um lado de mim que já conheci no passado como sendo o Ogur, o meu gremlin, o meu lado mais sombrio, que tem tendencia a aparecer pelo riso…Apanhei-me a rir da situação que ele descreveu e a morder o labio a tentar nao rir…e com dificuldades em faze-lo…Ate comentei em voz alta que era algo sombrio rir disso…e ele concordou rindo-se também.
Acabámos por sair do exterior, ele foi-se sentar no sofá e eu buscar o meu portatil que estava no mesmo sofa ao lado dele…e a tentar controlar-me para não rir.

Ao analisar esse riso a seguir, já deitado e com os dentes lavados, pensei que em parte é de alegria, por na sorte ter continuado sozinho no quarto e assim preservar a minha rotina matinal e haver mais probabilidade de dormir bem e um lado mais negro que tb está em mim, através do Ogur, que parece ter prazer com o sofrimento alheio. E recordo-me daqueles programas tipo “Isto só video” em que as pessoas se riem por ver outros cairem ao chao…De onde virá este lado humano algo sádico e aparentemente insensível à dor do outro?

Pensei que tv fosse interessante fazer um programa de descontaminação do gremlin, que sei que existe na linha do Possibility Management, para lidar melhor com este Ogur que tb vive em mim e mantê-lo sp “na trela” e sob o meu controlo consciente, rumo a esse ideal em que alimento um espaço seguro (em todas as dimensões) para mim e para os outros que me rodeiam.

Eram 22.40 quando saimos do exterior e me dirigi depois ao quarto.
Lembro-me de olhar para o relogio perto das 00.00 e de acordar durante a noite.
E sinto que descansei.
9h45 - 3 horas e um minuto de escrita! Ufa!