Dia 40 - 2023/08/06

Antes de ler este texto, lê antes Sobre a categoria Diario pessoal - científico?

6h29 de dia 7

Ontem, ao acordar fiz os exercícios matinais e tomei banho.
Depois sentei-me na cama a escrever neste diário.
Passado um pouco o meu colega de quarto acordou e falámos um pouco sobre a situação do residente do quarto ao lado…partilhando perspetivas e opiniões sobre o que poderia ser feito de forma a lhe dar espaço por um lado e a interagir com ele por outro.

Entretanto vi o email e, tendo no dia anterior, ao me cruzar com o pai do meu homónimo vizinho, ficado com o seu contacto (falei do programa de lisboa Norte, da psiquiatra-investigadora que o tinha lançado, em que pessoas que já passaram por algum surto e se encontram estáveis podiam acompanhar, com, creio, alguma formação base, pessoas atualmente internadas, após perceber que estavam a ponderar a possibilidade de ele ir para lá, caso todas as outras hipoteses voluntarias se esgotassem), por lhe ter enviado o link para o dito programa.

Percebi então, ao ver o email, que tinha uma resposta a agradecer o envio do link.

Eram já umas 9h e quis dar-lhe feedback que o filho dele tinha também jantado no dia anterior…o que para mim era um sinal de esperança, e observei-me, ao longo das 2h seguintes a partilhar algumas observações sobre a situação atual e pensando e escrevendo sobre possibilidades e eventuais ferramentas úteis para lidar com ela…Foi tb um bom exercicio de reflexão para mim, pois permitiu-me olhar de fora, ainda que à memória recorrendo, para mim mesmo e para os surtos que tive há 4 e 5 anos atrás, e sobre o que poderia ser feito, considerando que estava tb c alta resistencia a tomar a medicação: única solução conhecida até à data (por mim e ao que parece tb pelas pessoas que lidam com a saúde mental neste país) para cuidar em simultaneo da saúde e bem-estar, quer da pessoa que vive o surto, quer das pessoas em seu redor…normalmente, parece-me, assoberbadas pelo medo de não saber o que fazer para respeitar ao máximo a pessoa que vive o episódio e a si próprias.

O que fazer quando não conseguimos comunicar com alguém a quem queremos bem e que atravessa o que hoje se acredita ser um episódio de défice de saúde mental, com possibilidade de agravamento caso não se intervenha, e face ao medo de se prejudicar a si próprio ou a outros?

Creio que preciso de ler mais relatos de quem passou por experiencias similares e ouvir mais pessoas para ter e acreditar numa resposta “definitiva” a esta questão.

Ainda assim, tenho umas ideias:

As pessoas que rodeiam outras propensas a episódios de défice de saúde mental podem:

1 - aprender e desenvolver técnicas de defesa pessoal: física e psicológico-emotiva, que lhes permitam proteger a si próprias sem se afastar da pessoa que manifesta o episódio.
Acredito que efetivamente o primeiro passo tem a ver com a importancia da pessoa criar recursos interiores para se sentir segura, independentemente das ações dos outros.
Da minha experiência pessoal, no plano físico, gosto particularmente do aikido e do shorinji kempo, porque têm como filosofia de base a proteção e não a agressão, tendo técnicas de imobilização do outro, caso necessário.
No plano psicológico-emocional, desenvolver em primeiro lugar um vocabulario de sentimentos e emoções (uma possível fonte é a linha da Comunicação não violenta, que Marshall Rosenberg sistematizou) e depois praticar identificá-los no seu dia-a-dia (até ao dia em que identifica automatica e instantaneamente o que sente). Há alguns grupos de praticantes de comunicação não violenta por aí.
Outra “escola” de sentimentos e emoções que conheço é o Possibility Management, ainda que tenha uma abordagem mais incisiva e potencialmente desconfortável.

2 - aprender diferentes estilos e formas de comunicação, verbais e não verbais, seja como emissora, seja como receptora (consciente de qualquer interpretação que faça do que o outro quer dizer beneficia de confirmação do mesmo, se e qd possível)

Sobre ler o outro, há que procurar sobre quem estuda as expressões não verbais - cara em particular e todo o corpo em geral. Há até um atlas de expressões faciais (creio que o primeiro nome de um dos autores é Paul)

Porque acho importante estas duas “competências” em particular, para quem lida com pessoas que já viveram ou estão a viver desafios mentais?

Porque quem passa por esses desafios precisa de se sentir seguro (cm qq ser senciente,aliás), sendo que, no caso especifico dos chamados surtos psicóticos, da minha experiencia e do que vou ouvindo de outros, quase tudo pode ser um estimulo para uma nova historia mental e tenho relatos próprios e não só de momentos de alta desconfiança ou de se achar perseguido…

Haverão palavras e movimentos corporais universalmente aceites como “seguros” ?

Não sei, ainda que gostasse de viver numa sociedade com uma cultura em que se desenvolve esse conceito de “espaço seguro” (fisica e psicologicamente), desde que estamos na barriga da mãe (ou no laboratório)…onde há consenso sobre o que pode ser ou não, seguro…dando espaço para que as pessoas se magoem, com hipóteses e idealmente certezas de recuperar, caso assim o queiram “experimentar”.

Até lá, teremos o desafio e responsabilidade adicional de identificar a cultura individual/familiar de cada um no sentido de nos procurarmos respeitar uns aos outros, bem como de ir aprendendo a lidar com as dores da vida…sendo que a mim me ajudam os conceitos de perdão (a mim e ao outro), persistência (há dores que demoram a ultrapassar), fé/esperança (há que acreditar para ser mais facil persistir).

E depois diria tb ajudar cada um pensar e refletir um pco sobre “o mundo em que quer viver”, e desenvolver técnicas de construção desse mundo que, caso afete outros, se querem que sejam cooperativas (mesmo que por vezes se possam criar contextos conscientes de competição debaixo da alçada da cooperação).
(Novamente o Possibility management me surge referenciar cm possibilidade de “escola” para criação de novas culturas e mundos, sendo que deverá, cm qq escola, ser observado com crítica e discernimento)

Bem, voltando ao ontem…

Saí do quarto já passava das 11h00, fui comer, desta vez ficando-me por um copo de leite e uma tosta de queijo.
Estava a fazer a tosta e sou presenteado com um bom dia sorridente da “residente do gelo”.

Depois de comer prossegui com a escrita no diário.
Almocei, ontem era bitoque (de perú) e pude ver novamente o meu vizinho do lado juntar-se a nós. Fiquei contente.

da parte da tarde continuei a escrita no diário, fiz uma pausa para ping-pong com o meu colega de quarto wue já jogou profissionalmente (o que me dá um certo prazer dizer, considerando que lhe ganhei no unico jogo que fizémos, até aos 21).

Vi o email de resposta e correspondi novamente c o pai do residente vizinho (que dorme num quarto onde provavelmente ouve com mais intensidade o raio do apito de alerta do variador avariado que se encontra na cave por baixo do quarto dele e toca dia e noite - e que eu ainda oiço neste quarto tb).
Acolhi de bom grado um texto/poema publicado da sua autoria (chamado Garuda) e, com o seu ok, li o poema no espaço criativo das 17h00, acompanhado pela musica de fundo oferecida em guitarra pelo técnico de serviço e com direito a aplauso no fim (mmo antes de partilhar quem era o autor).

No espaço criativo seguiu-se um momento de musica em que fechávamos os olhos e no fim fomos convidados a dizer uma palavra que nos vinha.

Depois desse momento estivemos a jogar ao Time’s Up, composto de cinco momentos:

Um em que a “residente do gelo” explicou o jogo, indicando que iriamos estar divididos em grupos e as tres fases do jogo - a primeira em que uma pessoa de cada grupo se levantaria e escolhia uma palavra de uma taça com palavras escritas anteriormente por cada um em pedaços de papel, e dps teria de, sem dizer a palavra que leu, teria de a explicar de forma a que o seu grupo adivinhasse e so podia passar à palavra seguinte quando isso acontecesse. Havia 2 minutos para cada grupo. Na 2a fase, o processo era mt similar, com a diferença de que, para se explicar a dita palavra, só se podia usar uma outra palavra, sendo que podiamos usar tb as palavras usadas na fase anterior. Na 3a fase, para descrever a palavra usava-se mimica (sem poder desenhar a forma da palavra no ar).

A primeira pessoa a descrever as palavras foi a “residente do gelo”, a titulo de exemplo.
Ainda adivinhei bastantes.
Na segunda fase no nosso grupo, fui eu a levantar-me, esforçando-me por usar palavras que já tinham sido na sua maioria usadas…a residente do gelo acertou na maioria e um outro residente do nosso grupo que tinha estado calado até entao ainda respondeu em unissono a algumas tb. Gastámos as palavras repetidas e entrámos nas novas, o que foi um desafio adicional…mas ainda assim, ainda que demorasse mais tempo a acertar, conseguimos acertar em todas as que tirámos no espaco de 2 min.
Foi a vez do outro grupo e era o meu colega de quarto a explicar…ao inicio ele ainda usou palavras que eu tb tinha usado, mas perante vozes de protesto do nosso grupo, arranjou outras, sendo mais desafiante e a certo momento o grupo dele estava-se a rir e a não responder, o que parece ter gerado alguma frustração.
Na ultima fase no nosso grupo foi o técnico a fazer a mimica e ainda acertámos em algumas…uma delas particularmente dificil: amanhecer…em que foi bom para pôr a memória a funcionar.

Terminou o espaço criativo e pouco dps seguiram-se as escalas da semana. Avisaram-nos que entretanto chegaria um psiquiatra para tentar falar e convencer o meu vizinho de quarto a tomar a medicação.

Depois sentei-me então a continuar a leitura do doc. sobre empresas sociais em Portugal e entretanto chegou o psiquiatra.
Passado instantes observei o meu vizinho a passar e os movimentos dele e do psiquiatra que caminhava atrás dele dizendo algumas palavras a mim imperceptiveis. A certo momento vi o movimento do psiquiatra a colocar-se à frente do vizinho e este a desviar-se caminhando em frente.
Passado um bocado vi-os passar novamente e finalmente conseguiram sentar-se a conversar, o psiquiatra, uma psicóloga da casa, e o meu vizinho.

Entretanto vi um email que anunciava um documentário gratuito “Unsinkable”, onde participavam alguns autores americanos do mundo da “auto-ajuda” de quem ja tinha ouvido falar, e que tratava de ultrapassar momentos desafiantes da vida e ocorreu-me convidar vários outros residentes a ver o doc., Que iria começar às 20.

Entretanto fomos ao lixo: eu e mais uma residente do meu grupo e um outro residente do outro grupo.

De uma conversa que surgiu fiquei com a percepção de que o psiquiatra tinha dado a entender que achava que, sem a medicação, não era possivel o meu vizinho recuperar.
Esta afirmação, por interposta via, criou-me resistência.
Isto porque acredito (nesse sentido de fé: sem ver) que poderão haver outras formas menos intrusivas…e que o primeiro passo para as encontrar é acreditar que é possível.

Regressados à casa, fomos jantar: comi bacalhau espiritual e hamburgueres vegetarianos e salada.
Entretanto chegaram as 20 e, sem objeção dos residentes, únicos na mesa no momento, fui buscar o computador e coloquei numa cadeira com o doc. a dar… Não se percebia o que estavam a dizer pois o som do computador estava baixo, ainda que no maximo, face à distância a que estavamos dele.

Entretanto observei o medico psiquiatra com um copo na mao atras do meu vizinho caminhante e com este a pedir…com uma voz que me transmitiu tristeza, algo como “por favor, parem de andar atrás de mim com a medicação”.

Passado um pouco o meu vizinho apareceu novamente na sala indo buscar a comida…
Nos estavamos a ver o computador e numa vez foi a “residente do gelo” e noutra fui eu, a perguntar se ele quereria que parassemos o video ou tirassemos dali o computador (com receio que isso o pudesse resistir a querer sentar-se à mesa connosco), e da ultima vez q lhe perguntei percebi que não era preciso.
Ele deixou um prato com comida na mesa, perguntou por um sumo a uma residente que lho indicou, pegou no sumo e saiu da sala.
A psicóloga ainda o foi chamar para comer, dando-lhe a entender que se ele quisesse podia ir ao refeitório que o prato ficava lá, onde ele o tinha deixado.
Nestas andanças pareceu que ele terá tomado a medicação, mas não tenho a certeza.

Entretanto, já dois residentes tinham escolhido não ver o documentário e coloquei o comp em cima da mesa para os 3 interessados (eu inclusive) poderem ver…
O documentario começou (pelo menos a parte que conseguimos ouvir com nitidez) com pessoas a falar da sua experiencia de luto e como ultrapassaram…e a “residente do gelo” disse entretanto que se ia ausentar…fiquei um pco triste…pouco dps a outra residente comenta que tv tivesse sido util ter feito um aviso prévio a indicar que o doc. ia tratar de temas sensiveis…e fiquei a pensar que tv pudesse ter tido mais sensibilidade e investigar mais do doc antes de convidar outras pessoas a ver.
Entretanto a última sobrevivente ao doc. pediu o nome dele e foi tratar da loiça e eu, indo tb lavar o meu prato, dps fiquei a ver mais um pouco.
Perguntei à “residente do gelo” por msg se ela teria achado o doc. mto pesado e ela disse que sim, um pouco. A minha tristeza aumentou…e passado pouco tempo a ver o doc. Sozinho comecei tb a pensar pq é que estava a ver aquilo e que de facto o tom algo monocordico das entrevistas aliado a uma historia em particular que ouvi naquele momento (um bocado violenta, ainda que superada), não eram particularmente inspiradores…e fechei a janela
Enviei-lhe ainda msgs a perguntar se gostaria de ver algo mais animado…a dizer que tinha desistido de ver o doc…e ao refletir tb sobre esta desistência, decidi voltar a ver o doc… No doc. já estavam a falar de perdão…e comuniquei tb isso por msg, e decidi ver até ao fim, acreditando que a melhor parte estaria por vir…
Perto do final confirmei o que já tinha de certa forma intuído, com base na minha experiencia passada de docs. de auto-ajuda “gratuitos”: que estavam a querer vender algo… Ainda assim fizeram antes do momento comercial em que iam explicar um curso “transformador”, um resumo dos 3 passos para nos tornarmos “Unsinkable”.

9h00 - 2h31m de escrita - tempo de reuniao comunitária

9h31 de dia 7

Os 3 passos para se tornar Unsinkable (copiados da ultima msg que enviei ontem à “residente do gelo” e à qual não tive resposta):

1 - Reprogram your conscious mind (become aware of your negative thoughts and shift them to positive, empowering thoughts)
Shift your thoughts and shift your life
What am I thinking right now?

2 - Reprogram you subconscious mind:
uncover your limiting beliefs: find what they are

3 - Elevate your vibration frequency
Law of atraction.
Everything is made out of energy.
Like attracts like energy.

Enter a state of “Love, peace, joy and gratitude” (because these are the highest vibration frequencies).

Interrompi o doc. já na parte de “explicação do curso transformador”, ligando-me a esta msg do mesmo, inerente a cada passo e que interpreto cm a pessoa conhecer-se a si mesma, observando os pensamentos e crenças e mudá-los rumo a essas ditas frequências/valores/emoções que muitos categorizamos como positivas.

Fui para o quarto…vi um episódio do Jaspreet, falando nos 2000$ cm sendo uma referencia de almofada financeira minima (perguntando-me de onde vira esse numero) e a dizer que só pela poupança ng enriquece (dado que o dinheiro desvaloriza c o tempo).

Vi o tlm pela ultima vez nesse dia pelas 22.30.
Adormeci e acho que acordei ainda de noite, colocando os tampoes nos ouvidos…que cairam e voltei abpor a meio da noite, e acordei ja perto das 6.00, para os guardar e levantar.me.
Fui ao banho e pus-me a escrever…

9h48 - tempo de comer o peq. Almoco para as 10 seguir para o ginasio… Ufa!